Deixe de lado o fator preço, que ainda é decisivo quando o assunto é venda para frotistas e mesmo para uma parcela de pessoas comuns em busca do primeiro carro: isso ainda explica porque o Fiat Palio antigo, reforçado pela Palio de geração atual, disputa o título de mais vendido do ano com o Volkswagen Gol (neste ano, sem a ajuda providencial do Gol G4). Quem se destacou no ano pode atribuir o sucesso a uma "tendência" que vai se solidificar nos próximos anos: o brasileiro começa a decidir sua escolha pelo conteúdo (tecnológica, conforto e segurança embarcados).
Na enquete de
melhores do ano proposta por
UOL Carros, interessante amostra desse comportamento foi observada: lançada apenas no segundo semestre, a nova geração do compacto Ford Ka venceu como melhor carro do ano e melhor compacto, disputando na primeira com concorrentes mais caros (Toyota Corolla) e "premium" (BMW Série 3 flex).
Na lista de mais vendidos até novembro (último levantamento fechado da Fenabrave), tiveram mudança significativa de posição modelos como Fiat Strada (8ª posição para 3ª, até o momento), Chevrolet Onix (7º para 4º), Hyundai HB20 (9º para 6º), considerando os dez primeiros. Uno e Fox também sofreram reestilização (pesada em ambos), mas perderam posições. Siena e Fiesta também caíram, mas este último deixou de contar com as vendas do antigo Fiesta Rocam. Por fim, o Renault Sandero, em sua nova geração, manteve a 10ª posição.
Novo Ka, Strada, Onix e HB20 podem ter se destacado justamente por trazer conteúdo diferenciado, algo menos perceptível em Uno e Fox (ainda que tenham sofrido mudanças até que bastante significativas para um facelift de meia-vida). Se nos últimos anos o poder de compra aumentou, a qualidade e mesmo o visual de modelos se aproximou e padronizações surgiram para beneficiar o comprador (obrigatoriedade de airbag duplo e freios com ABS; índices de eficiência/consumo do Inmetro; testes de colisão do Latin NCAP), diferenciais que melhorem a experiência a bordo do carro terão cada vez mais peso.
IR ALÉM
"Não precisamos mais fazer propaganda disso, o consumidor está cada vez mais bem informado, lê tudo na internet e chega à loja sabendo o que quer. E ele quer mais conteúdo e conteúdo inteligente", apontou Oswaldo Ramos, gerente de marketing de produto da Ford. "Segurança básica todos têm, o que vale aqui é oferecer algo que vá além. Da mesma forma, todo mundo tem central multimídia, então é preciso oferecer algo mais inteligente, que poupe esforço do condutor", afirmou.
Ramos é um dos responsáveis pela propagação da ideia de que itens teoricamente mais sofisticados -- ou seja, tidos como caros -- seriam bem recebidos mesmo em modelos de entrada. O novo Ka traz, em sua versão topo de gama, controles de tração e estabilidade (que na verdade são extensões dos freios com ABS) e central multimídia mais complexa, que aceita comandos por voz, se conecta não apenas ao celular, mas aos aplicativos de internet desse aparelho, pode até reproduzir o texto de mensagens recebidas nos alto-falantes e ainda fazer ligação automática para o serviço de emergência após um acidente.
Divulgação
O que vai bombar na próxima temporada? Tela do carro que espelha a telha do celular. Na imagem, a solução da Opel para o Corsa europeu. Em breve, Chevrolet também terá
Conectividade facilitada e interior aconchegante (comandos à mão e ar-condicionado de série) explicam o sucesso não apenas do novo Ka, mas também do HB20. No caso do Volkswagen up!, campão de segurança (foi o primeiro cinco estrelas nacional nos testes do Latin NCAP) e excelente também em consumo, com nota A do Inmetro), o excesso de pacotes opcionais (que indicam que o carro sai "pelado" de fábrica) parece minar parte do potencial.
ESPELHO
Para 2015 e 2016, a aposta dos fabricantes é que a importância desses itens se eleve, no Brasil e no exterior. Com um "agravante": não bastará ter central ligada ao celular via cabo ou Bluetooth, será necessário espelhar o que o motorista vê na tela de seu smartphone.
"Até hoje, brigávamos para ter nosso sistema de conexão, mas enquanto mudamos um carro nosso a cada oito anos, o consumidor sempre terá um celular mais atual a cada dois anos", disse Ramos, da Ford. "Vamos abandonar a briga: a próxima geração do nosso sistema vai reproduzir fielmente o que o cliente vê na tela, seja Android, iPhone ou Windows."
Reprodução
Tela do Apple Car para Hyundai, nos EUA: o que se vê aqui é exatamente o que está na tela do iPhone
Faz sentido: na Europa, a Opel (braço alemão da GM) já mostrou algo nesse sentido, com uma evolução do sistema para ser usado na nova geração do Corsa. Como se trata de uma evolução do MyLink, arriscamos que algo similar não deve tardar a surgir nas telas de modelos Chevrolet como Onix, Prisma, Spin, Cobalt, Cruze, S10 e Camaro em um piscar de olhos.
Nos Estados Unidos, Apple e Google se esforçam para desenvolver elas próprias sistemas multifunção para carros que espelhem o que se vê na tela dos celulares já vendidos aos clientes. Ou seja, essa é mesmo a próxima onda em termos de conectividade sobre quatro rodas.
A PRÓXIMA FRONTEIRA
Nem só de gadgets vive a marca que atende ao que o cliente atual quer: a Fiat tem se especializado em antecipar tendências de mercado, ainda que isso não implique em carros que literalmente falem com seu condutor. É o caso da picape compacta Strada, que ano após ano se solidifica como líder do segmento de utilitários no país, ora com diferentes configurações de cabine e motorização, ora com inovações como a terceira porta.
"Sabemos que há cada vez menos espaço para o domínio de produtos em categorias, mas é fundamental entender o movimento do mercado, perceber o que o consumidor procura, antes mesmo que ele se dê conta disso", contou Carlos Eugênio Dutra, diretor de planejamento e estratégia de produtos da Fiat. Se domina com picapes compactas, a marca tenta de todas as formas achar uma solução entre monovolumes e carros de maior valor.
Claudio Luís de Souza/UOL
Motor três-cilindros com ótimo acerto permite ao up! fazer 20 km/l ou mais. Fabricantes apostam, porém, que carros de entrada vão se render ao turbo nos próximos dois anos
Outro fronte que deve se aquecer nos próximos dois anos é o de motores pequenos realmente eficientes. Isso porque, pouco a pouco, o consumidor tem perdido a ilusão de que motor 1.0 é econômico só por ser 1.0. Depois da aplicação três-cilindros (vista no Kia Picanto/HB20, up! e Fox, e no novo Ka), será a vez da chegada do turbo para carros de entrada (finalmente).
Embora ainda cara, a solução já é vista como necessária -- e mais viável que o uso do start/stop do Uno Evolution -- por diversos fabricantes, encurralados pela necessidade de maior eficiência imposta pelo Inovar-Auto (com metas válidas até 2017) e cobrada pelo Inmetro e pelo "novo cliente brasileiro". Com uso em massa, o preço tende a cair, junto com o consumo, que pode melhorar em mais de 20%. De novo, quem sair à frente ganha.